quarta-feira, agosto 03, 2011

Yunes

É improvável a falta de sono fazer-me pálido, a minha tez escura esforça-se por disfarçar qualquer perda de rubor. Assim como é improvável notarem-se-me as olheiras a coberto pelos aros dos óculos, cuja coloração opaca sombreia não apenas as sobrancelhas ou o contorno ocular, como também as maças do rosto dependendo da direcção e intensidade da luz.
Por outro lado, e em contrapartida, padeço de outras consequências físicas, se bem que menos transparentes, do excesso de cansaço. Além da prisão de raciocínio, e da afasia, há algo que se constrói na boca e que se estende ao nariz, e mesmo aos ouvidos. Trata-se de um paladar que invade os dentes e se enrola na língua e cujo antídoto são largas horas de sono.
Nunca tive antídoto para Émilie, por mais que rebuscasse, umas vezes nos armários da Farmácia de Rio Salado, e outras vezes nas noites de Orão. Há coisas, e pessoas, que rapidamente se condenam a ficar marcadas na nossa memória. Trata-se de uma circunstância que decorre pouco de nossa vontade, sucede, aliás, sem razoabilidade clara. É traiçoeira e nebulosa a cabeça das pessoas e querer percebê-la é, frequentemente, esforço empatado.
Jamais resolverei todas as deslealdades a que me convidas pois são daquelas que me tiram o sono. Estou, aliás, convencido de que perdi a esperança no exacto momento em que aprendi a invejar toda a felicidade dos outros. A inveja é o barómetro infalível da desesperança.
Hoje percebi que me agradam igualmente a tua maturidade e tua infantilidade, tendo em conta o momento em que intuis usá-las. Percebi agradar-me a tua responsabilidade e o teu desprendimento de forma também equivalente.
Percebi outras coisas, por exemplo, que mulheres como tu têm para si que um amor deve ser para toda a vida, donde me é inútil este agrado.

sexta-feira, abril 22, 2011

Hélène

Lamento profundamente a madrugada, tal como lamento a angústia ou o desespero. O ressentimento não se aplica somente às pessoas, podendo alargar-se às situações, às circunstâncias ou às horas do dia. Considero custoso o acordar, mais violento do que o adormecer por ser abrupto e intrusivo aos sonhos. É talvez por isso que retenho na memória acordares de vários dias, retenho principalmente o paladar do acordar. O paladar ao acordar revela tudo sobre o dia que se inicia.
Hoje de manhã aviões rasgaram o céu, agitam-me mais, incompreensivelmente os aviões, do que as bombas que largam. Na maior parte dos casos atingem casas já abandonadas provocando reacções de indiferença em todos. Alteram-me pouco mesmo que sinta próximos os engenhos. Foi o caso hoje, provava nesse momento a sopa, que achei vazia, razão pela qual lhe adicionei mais uma batata e sal. Foram luxos gulosos de que me arrependi mais tarde, tendo em conta que mais tarde ou mais cedo, todos nos arrependemos de tudo.
Recordo as primeiras explosões, o seu silêncio foi equivalente ao que sucede um trovão. Trata-se de um silêncio que decorre da surpresa e do aguçar dos sentidos recentemente estimulados.
Passeei com Max na Friedrichstrasse ao início da tarde, recuperou da febre e reteve, por isso, os seus insultos. Praguejou pouco Max, tanto quanto se interessou de mim.
Creio termos retrocedido bastante ao substituirmos braçadas na piscina, agora impossíveis, por passeios na Friedrich. A pele propicia uma intimidade nunca comparável a caminhadas agasalhadas.
Desconheço o que aprecia Max, se aprecia a doçura, por exemplo. Considero a doçura a qualidade mais importante de uma mulher. Acredito que a doçura de uma mulher é medida pela graciosidade dos seus pulsos e pelo contraste da sua coloração com a da mão.
São pequenas as coisas que denunciam todas as nossas qualidades. O primeiro juízo que faço em relação às pessoas baseia-se na observação da dimensão dos seus pés e mãos, da maneira como se equilibram entre si e, posteriormente, de como são coerentes com toda a dimensão corporal. Passo a avaliar a dimensão das unhas e, principalmente, a sua coloração natural, faço-o em relação às unhas das mãos, para passar se me estiver acessível à observação das unhas dos pés. Todas as nossas enfermidades e tensões começam por anunciar-se nas nossas extremidades, tal como nas praias as primeiras rochas são as que aluem perante as águas ou os ventos.
Desconheço a razão porque Max nunca me tocou acima do joelho, um ligeiro toque seria suficiente para fazer-me ficar. Há coisas que todos percebemos sem que tenhamos que as confessar, amanhã seguirei para Spreewald e depois não sei.

sexta-feira, agosto 13, 2010

O que diz Dinis Machado

Esbarrei hoje com uma entrevista da Ler ao escritor Dinis Machado. É antiga a entrevista, na medida em que 2 anos é muito tempo e na medida em que Dinis Machado faleceu. (http://revistaler.no.sapo.pt/pdfs/dinismachado.pdf)

Desde que li O que Diz Molero interessei-me, quer pelo livro, quer pelo escritor. Não tinha que ser necessáriamente assim. Muitas vezes leio livros e fico com pouca curiosidade sobre o escritor, não por gostar menos do livro, são simplesmente coisas que acontecem.

O que Diz Molero é um livro pouco convencional, mistura a vida típica lisboeta, presa num certo tempo, com uma visão orwelliana que nunca a chega a ser descodificada claramente. Da mesma forma, Dinis Machado é um escritor pouco convencional.
Em primeiro lugar, é designado como escritor de uma obra só, os restantes livros são romances policiais menores (apesar de não ter lido nenhum, nunca sofri esse apelo). Note-se que Machado não renega esse rótulo, diz que sempre quis escrever algo verdadeiramente seu, numa linguagem sua, fê-lo em O que Diz Molero. Não valia a pena escrever outro Molero, não lhe terão faltado convites...
Em segundo lugar, tem um discurso sempre que o ouvi falar (ou que li o que terá dito, como nesta entrevista) que é muito pouco egocêntrico para um escritor. E principalmente, pouco egocêntrico para um autor de um livro tão bem sucedido como O que Diz Molero.

Há duas passagens particularmente interessantes e reveladoras nesta entrevista. Diz Machado que escreve com o corpo, que toda a escrita lhe saia com custo, fumava mais, ficava doente. Numa outra passagem, já final, revela-se sortudo por ser dotado de preguiça, por ter a qualidade de estar bem sem fazer nada, a fumar, a beber café, a reler um livro antigo...


quarta-feira, março 24, 2010

Convite


No dia 11 de Abril, pelas 17.00 horas, na Fnac de Santa Catarina no Porto, será a apresentação do livro "Atelier dos Sentidos". Trata-se de um trabalho meritório, de muito esforço e persistência, efectuado pela Paula Faria Silva e para o qual contribui com dois textos.

terça-feira, março 23, 2010

A Carta

Eram imponderáveis para Séneca as virtudes tecnológicas que substituem actualmente o cunho manual das cartas. Assim como parece insondável para nós o rejúbilo causado pelas letras que nos são destinadas quando são talhadas por mão e tinta. A sua carta 40 faz-nos perceber que nem toda a tecnologia é virtude quando substitui o enlace pessoal do papel com uma caneta.
"Agradeço-te a frequência com que me escreves, pois é esse o único meio de que dispões para vires à minha presença. Nunca recebo uma carta tua sem que, imediatamente, fiquemos na companhia um do outro. Se nós gostamos de contemplar os retratos de amigos ausentes como forma de renovar saudosas recordações, como consolação ainda que ilusória e fugaz, como não havemos de gostar de receber uma correspondência que nos trás a marca autêntica, a escrita pessoal de um amigo ausente? A mão de um amigo gravada na folha da carta permite-nos quase sentir a sua presença - aquilo, afinal, que sobretudo nos interessa no encontro directo. "

terça-feira, janeiro 26, 2010

Passion Pit

E agora com um xilofone, uma guitarra, um bandolim e depois um violino.

sábado, janeiro 16, 2010

Passion Pit

Banda também recente são os Passion Pit, de 2007. Começam com Michael Angelakos a escrever canções como presente de S. Valentim para a sua então namorada. Sleepyhead, bom, muito bom...

Mike Snow


Mike Snow são uma banda sueca criada em 2007, lançaram o primeiro albúm em 2009, com nome homólogo ao da banda. O primeiro single é Animal, bom, muito bom..


domingo, dezembro 06, 2009

Verin

Estive em Verin hoje, essa nesga de Espanha, e recordei Torga. A verdade é que foi pequeno o rejúbilo que senti pela participação na feira do mundo. Experiências anteriores de transposição do vedado nacional trouxeram-me alguma imunidade a esse alvoroço.

Entrei num supermercado central, onde comprei algumas coisas de que precisava. Chegado à caixa de pagamento, precediam-me duas mulheres muçulmanas com véus que lhes cobriam os cabelos e partes da testa. Traziam consigo uma criança, filho de uma delas. Amanhavam, naquela altura, as compras em sacos, coordenando os movimentos com a vigília sobre a criança e a condução do carrinho de bebé. Trocavam palavras em árabe, provavelmente sobre a melhor forma de colocar os artigos nos sacos, ora querendo impedir que os enlatados danificassem a fruta, ora promovendo a organização de acordo com os locais de arrumação caseira.
Terminada a azafama dos sacos, dificultada pelas vestes que se desprendiam do pescoço e que obrigavam a gestos repetidos com a mão direita recompondo o enlace preso ao ombro, a mais velha das mulheres colocou-se para pagar. Passou à empregada do supermercado uma quantia desproporcionada face ao montante em questão naquela compra. A qualquer das duas mulheres pareciam pouco familiares contagens com euros ou cêntimos e, naquele momento, ensaiavam conversões mentais mal sucedidas entre dinares e euros. A empregada manteve a mão estendida com o primeiro montante proposto e repetiu o total a pagamento. A mulher experimentou algumas palavras em francês e estendeu também a sua mão com moedas e notas de onde a empregada de supermercado, com um sorriso, recolheu lentamente o montante em falta para cobrir a despesa.
Despediram-se com sorrisos quando algumas das minhas compras já passavam pelo leitor óptico.

terça-feira, dezembro 01, 2009

A Partir do Silêncio

Herta Muller publicou em 2009 Atemschaukel, ainda sem edição portuguesa. A vida de Herta Muller, nascida em 1953, passa-se depois da 2ª guerra mundial. Numa entrevista disponível no Courrier Internacional português e publicada no Frankfurter Allgemeine Zeitung diz que a história de Atemschaukel não é a sua história, é a história do ambiente à sua volta e a história da sua mãe.
A propósito de uma outra questão revela algumas coisas sobre a sua relação com a sua mãe, que caracteriza como uma mulher simples e com quem nunca falou sobre Atemschaukel. Diz que sua relação com a se situa noutro plano.

Este livro tem como peça fundamental o poeta Oskar Pastior, falecido em 2006, que tal como a sua mãe, viveu deportado num Gulag soviético. Oskar foi, segundo Muller, particularmente marcado pela deportação o que o impedia de falar sobre esse tempo.

Diz, finalmente, que o silêncio pode ser uma força, tal como a palavra. Cada um deve ter o direito entre falar e manter o silêncio.

O silêncio é um documento artístico, tal como palavra.

sexta-feira, novembro 06, 2009

David Janiak

Poucos dias depois do 11 de Setembro de 2001, David Janiak, um artista performativo, iniciou uma série de exibições de rua por toda a cidade de Nova Iorque. Estas exibições consistiam numa réplica da imagem do homem em queda das torres gémeas. Tratavam-se de réplicas brutais e chocantes desse momento. David Janiak aparecia um pouco por todo lado deixando-se cair e ficando suspenso, em queda, para um público acidental e chocado.
David percorre todo o livro o Homem em Queda de Don DeLillo, é um termómetro da cidade:
"Pendurado da varanda de um prédio de apartamentos em Central Park West."
"Suspenso do telhado de um prédio de escritórios no bairro de Willimasburg, em Brooklyn."
"Pendurado da bambolina no Carnegie Hall durante um concerto, com a secção de cordas em fuga, dispersa."
"A baloiçar por cima do East River, suspenso da ponte de Queensboro."
"A baloiçar, suspenso da balaustrada de um prédio de apartamentos na Chinatown."
"Suspenso do parapeito de um jardim, no terraço de um edifício na Tribeca."
"A baloiçar de uma ponte pedonal, por cima de FDR drive."


É difícil perceber a arte de David, é díficil definir como arte o que fazia David. É díficil ler as descrições de DeLillo sem um sentimento de choque profundo e parece-me impossível imaginar a reacção dos nova iorquinos, poucos dias depois dos ataques, ao serem confontados com a imagem, epidemicamente reconhecível, do Homem em Queda por David Janiak.


"Um homem estava ali a baloiçar, acima da rua, de cabeça para baixo. Vestia fato e gravata, uma perna flectida, braços estendidos junto ao corpo. A correia de um arnês de segurança entrevia-se a custo, presa ao parapeito decorativo do viaduto, a emergir das calças na perna esticada.
Ela já ouvira falar daquele indivíduo, um artista performativo conhecido pelo Homem em Queda. Fizera várias aparições ao longo da última semana, sem aviso prévio, em diversas zonas da cidade, suspenso desta ou daquela estrutura, sempre de cabeça para baixo, vestido de fato e gravata e sapatos de atacadores. Trazia ao espírito, é claro, aqueles momentos lúgrebes nas torres em chamas, quando as pessoas caiam ou foram obrigadas a saltar. Fora visto a baloiçar, suspenso do varandim no átrio de um hotel, e a polícia condizira-o à saída de uma sala de concertos e de dois pou três prédios de apartamentos com terraços acessíveis.
O trânsito avançava agora muito devagar. Havia pessoas que lançavam gritos ao artista, escandalizadas com o espetáculo, o teatro de marionetas do desespero humano, o derradeiro e fugaz suspiro de um corpo e tudo o que este continha. Continha o olhar do mundo, achou ela. Havia a horrenda candura daquele gesto, algo que nunca tinha visto, a figura solitária em queda que arrasta um pavor colectivo, um corpo tombado no meio de todos nós."


O livro de DeLillo vale, fundamentalmente, pela construção em torno da arte de David.

sábado, outubro 31, 2009

"Que conselhos pode um escritor mais velho arrogar-se o direito de oferecer a um jovem escritor? Só se for o que ele ou ela gostaria de que lhe tivessem dito anos antes. Não te deixes desanimar! Não te ponhas a olhar pelo canto do olho, na tentativa de estabelecer comparações com os teus pares! (Escrever não é uma corrida. Na verdade, ninguém "ganha". A satisfação reside no esforço, e raramente nas eventuais recompensas que daí advêm, se é que elas existem.) E, ainda e sempre, põe no papel tudo o que te vai na alma.
Lê imenso e sem pedir desculpa. Lê o que te apetecer ler, e não o que te dizem para ler. (Como Hamlet confessa:"Eu não sei usar de aparências".) Mergulha na leitura de um escritor de quem gostes e lê tudo o que ele ou ela escreveram, incluíndo as primeiras obras. Especialmente as primeiríssimas obras. Antes de o grande escritor se ter tornado grande, para não dizer bom, ele/ela andava às apalpadelas, a tactear para ver se encontrava uma voz, exactamente como se calhar acontece contigo.
Escreve para o teu tempo, se não mesmo única e exclusivamente para a tua geração. Não é possível escrever para a "posteridade" - tal coisa não existe. Não podes escrever para um mundo que já foi, corres o risco de te dirigires, inconscientemente, a um público que não tem rosto; de tentar agradar a alguém que não se mostrará reconhecido, ou que não merece que lhe dêem esse gosto."
Joyce Carol Oates em "A Fé de um Escritor", na escrita tudo pode ser aprendido, desde a técnica narrativa à criatividade literária.

sábado, outubro 17, 2009

Graça

É pouco político o Hermes, e ainda menos ultimamente, esta referência é literária e cómica. A qualidade dos escritos de Vasco Graça Moura é grande. Transcrevo o texto assinado no Diário de Notícias do dia 30 de Setembro de 2009, está muito bem escrito apesar das opiniões duvidosas.

"O povo português acaba de demonstrar a sua fatal propensão para viver num mundo às avessas. Não há nada a fazer senão respeitá-la. Mas nenhum respeito do quadro legal, institucional e político me impede de considerar absolutamente vergonhosa e delirante a opção que o eleitorado acaba de tomar e ainda menos me impede de falar dos resultados com o mais total desprezo.
Só o mais profundo analfabetismo político, de braço dado com a mais torpe cobardia, explica esta vitória do Partido Socialista.
Não se diga que tomo assim uma atitude de mau perdedor, ou que há falta de fair play da minha parte. É timbre das boas maneiras felicitar o vencedor, mas aqui eu encontro-me perante um conflito de deveres: esse, das felicitações na hora do acontecimento, que é um dever de cortesia, e o de dizer o que penso numa situação como aquela que atravessamos, que é um dever de cidadania.
Opto pelo segundo. Por isso, quando profiro estas e outras afirmações, faço-o obedecendo ao imperativo cívico e político de denunciar também neste momento uma situação de catástrofe agravada que vai continuar a fazer-nos resvalar para um abismo irrecuperável.
Entendo que o Governo que sair destes resultados não pode ter tréguas e tenciono combatê-lo em tudo quanto puder. Sabe-se de antemão que o próximo Governo não vai prestar para nada!
É de prever que, dentro de pouco tempo, sejamos arrastados para uma situação de miséria nacional irreversível, repito, de miséria nacional irreversível, e por isso deve ser desde já responsabilizado um eleitorado que, de qualquer maneira, há--de levar a sua impudência e a sua amorfia ao ponto de recomeçar com a mais séria conflitualidade social dentro de muito pouco tempo em relação a esta mesma gente inepta a quem deu a maioria.
O voto nas legislativas revelou-se acomodatício e complacente com o status quo. Talvez por se tratar, na sua grande maioria, de um voto de dependentes directos ou indirectos do Estado, da expressão de criaturas invertebradas que não querem nenhuma espécie de mudança da vidinha que levam e que se estão marimbando para o futuro e para as hipotecas que as hostes socialistas têm vindo a agendar ao longo do tempo. O que essa malta quer é o rendimento mínimo, o subsídio por tudo e por nada, a lei do menor esforço.
Mas as empresas continuarão a falir, os desempregados continuarão a aumentar, os jovens continuarão sem ter um rumo profissional para a sua vida. Pelos vistos a maioria não só gosta disso, como embarcou nas manipulações grosseiras, nas publicidades enganosas, nas aldrabices mediáticas, na venda das ilusões mais fraudulentamente vazias de conteúdo.
A vitória foi dada à força política que governou pior, ao elenco de responsáveis que mais incompetentemente contribuiu para o agravamento da crise e para o esboroar da sustentabilidade, ao clube de luminárias pacóvias que não soube prevenir o desemprego, nem resolver os problemas do trabalho, nem os da educação, nem os da justiça, nem os da segurança, nem os do mundo rural, nem nenhuma das demais questões relevantes e relativas a todos os aspectos políticos, sociais, culturais, económicos e cívicos de que se faz a vida de um país.
Este prémio dado à incompetência mais clamorosa vai ter consequências desastrosas. A vida dos portugueses é, e vai continuar a ser, uma verdadeira trampa, mas eles acabam de mostrar que preferem chafurdar na porcaria a encontrar soluções verdadeiras, competentes, dignas e limpas. A democracia é assim. Terão o que merecem e é muitíssimo bem feito.
O País acaba de mostrar que prefere a arrogância e a banha de cobra. Pois besunte-se com elas que há-de ter um lindo enterro.
A partir de agora, só haverá mais do mesmo. Com os socialistas no Governo, Portugal não sairá da cepa torta nos próximos anos, ir-se-á afundando cada vez mais no pântano dos falhanços, das negociatas e dos conluios, e dentro de pouco tempo nem sequer será digno de ser independente. Sejam muito felizes."

quarta-feira, junho 24, 2009

Bloch

Bloch é uma curiosa personagem de Proust em Do Lado de Swan. Trata-se de um seu amigo de juventude pelo qual os seus pais tinham pouca admiração. Esta falta de admiração decorria das suas respostas pouco convencionais às conversas de circunstância. Apetece-me muitas vezes citar Bloch, tendo consciência que isso me provocaria inimizades equivalentes às suas.
"... Bloch desagradara aos meus pais por outras razões. Começara por irritar o meu pai que, ao vê-lo molhado, dissera com interesse:
- Mas, senhor Bloch, que tempo é esse? Terá chovido? Não compreendo nada, o barómetro estava excelente.
Só lhe arrancara esta resposta:
- Senhor, não posso dizer-lhe de maneira nenhuma se choveu ou não. Vivo tão resolutamente fora das contingências físicas que os meus sentidos não se dão ao trabalho de as notificar.
- Mas, meu pobre filho, esse teu amigo é um idiota - dissera o meu pai depois de Bloch sair.
(...)
E, finalmente, descontentara toda a gente porque, vindo almoçar com uma hora e meia de atraso e coberto de lama, dissera:
- Nunca me deixo influenciar pelas perturbações da atmosfera nem pelas divisões convencionais do tempo. Reabilitaria de bom grado o uso do cachimbo do ópio e do kriss malaio, mas ignoro o desses instrumentos muitíssimo mais perniciosos e, aliás, desprezivelmente burgueses, o relógio e o guarda-chuva."

sábado, junho 20, 2009

Desprezível

Sobre o romance As Benevolentes de Jonathan Littel, diz Mario Vargas Llosa que não contém um único personagem que não seja absolutamente desprezível. É verdade, mas o livro é muitíssimo bom.
As Benevolentes são uma viagem épica sobre a distorção moral do homem e sua disponibilidade para o mal absoluto. Max Aue, personagem fícticia que escreve as suas memórias, conta-nos a maneira como ascendeu na estrutura SS Nazi. Percorre também os seus tempos na frente de Estalinegrado e descreve a inominável vida nos campos de concentração e extermínio. Fá-lo, por um lado, com uma falta de arrependimento explícito e, por outro lado, com a ilustração dos seus constantes dilemas morais.
Na mitologia grega As Benevolentes, também conhecidas por Erínias ou Eumênides, são deusas perseguidoras, vingadoras e secretas.
É díficil dizer-se o que faz de uma obra intemporal, ou incontornável. É díficil dizer-se que papel terá As Benevolentes na literatura. Depende de Littel e dos seus próximos livros e depende de outras coisas. Para já, As Benevolentes é um romance magnífico.

domingo, março 08, 2009

Johana

Gosto de ver a minha boca nua, assim como gosto da nudez de toda a minha face e dos meus ombros. Uso os cabelos dessa mesma forma, deixo-os à sua vontade, ficam tal como se encaracolam depois do banho e só lhes passo a escova para que se endireitem um pouco. Procuro nunca impor aos meus cabelos uma vida diferente da sua. Não são só as pessoas a ser coagidas a uma vida diferente daquela a que aspiram, acontece o mesmo com as coisas e com as feições. Repugna-me que as bocas finas sejam transformadas em carnudas por acção mentirosa de maquilhagem, ou que os cabelos fartos se transformem em escorridos através de escova e secador. Repugnam-me estes vernizes que começam por distorcer o corpo, terminando por destratar a alma. Considero a beleza pura e a falta de cinismo as melhores virtudes a que podemos aspirar.
Herdei de minha mãe este gosto pela nudez dos cabelos, dos ombros, da boca e dos braços. A nudez é a falta de cinismo físico.
Tenho por hábito recordar todos os momentos felizes de minha mãe. É curioso que o faça normalmente ao espelho, enquanto mexo no cabelo e humedeço os lábios. É uma disciplina a que me obrigo para equilibrar os dias. Esses momentos que recordo divergem como margens dos que vivo agora. Penso que a vida de uma mulher está cheia de fatalismos, os gestos leves e a pele macia são apenas alguns desses.
Recordo o dia em que Klaus partiu como um dos mais tristes. Nessa altura o sol ainda despertava para aquecer-nos o telhado e secar-nos o chão sombrio do pátio. A dança das árvores, emparelhadas com o vento suave do estivo, era ainda valsa inglesa. Tinha-me afeiçoado à sua presença. As pessoas estão presas aos seus hábitos como um cão de meia-idade está preso ao perímetro da casa dos seus donos. Partiu para a guerra, que estava quase no fim. Penso que resolveu trocar uma batalha perdida pela certeza de uma vitória. Nos tempos anteriores, a mãe caíra no aguçado poço da doença que a cercava há muito e que lhe bloqueava a razão. Ouvíamos agora as palavras de fogo e enxofre do antigo testamento, que nunca foram suas, mas que reproduzia em berros. As suas palavras sempre foram as da sabedoria dos adágios e sempre calmas. Escutávamos tudo com a vergonha que contamina os que assistem.
Disse-me numa manhã que partiria, não lhe respondi, nunca mais falámos.

sábado, dezembro 06, 2008

Eveline

Julguei-te mais bruto nessa altura. Eram insuspeitas, para mim, tuas delicadezas e eloquências encarceradas pela barba e pelos óculos toscos. Este costume de reparar nos trajes e nas feições herdei-o de minha mãe que, mesmo no leito da morte, me chamava a atenção para o desleixo do médico ao não barbear-se ou ao não abotoar totalmente a camisa. Foquei-me nas tuas vestes ligeiramente rotas e não nas tuas mãos cuidadas, reparei na vermelhidão que te rodeava os olhos e não nos teus dentes perfeitamente alinhados. Além disso, parecias-me uma personagem algo misógina pela forma como me evitavas com o teu olhar, impressão que trataste, mais tarde, de contraditar com particular vigor.
Abordaste o meu pai, invulgarmente sóbrio para uma tarde fria e escura como aquela. Entendo a embriaguez dos homens com naturalidade, uma consequência do frio a que as mulheres são imunes. São imunes a tudo as mulheres, resistentes a todos os jugos. Querias vender-lhe umas hortaliças que se espalhavam pela banca, sobejos do labor da manhã. Era melhor que fossem garrafas de Rum ou Whiskys com Soda para que lhe conseguisses aguçar a vigília. Comprei-tas eu num súbito acesso de pena.
No dia seguinte tornei ao mercado, numa tarde ainda mais escura. Aqui cada tarde é mais escura do que a anterior, ás vezes mais escura do que a própria noite, que tem tons azulados que escapam à tarde de cinza. Tornei a comprar-te as verduras, os sobejos, num ritual que se multiplicou dias sem conta, como se multiplicaram a hostilidade do meu Pai e as ausências dos meus irmãos que criei com minhas mãos. Raramente me voltou a acompanhar. Totalmente caído passava-me para as mãos, à mistura com alguns empurrões, um punhado de dinheiros acusando-me sempre de os desbaratar. Outras vezes acompanhavam-me Harry ou Ernest, quando estavam na cidade, a sua companhia desconfortava-me porque era raro beberem tendo por isso os sentidos mais despertos.
Enquanto sinto o bafo poeirento de cada cortina e de cada toalha, revejo essas tardes em que te conheci, revejo também as outras em que me esperaste depois do emprego, contabilizo-as contra as promessas feitas a minha mãe e contra o desamparo a que votarei o meu pai depois da minha partida. Sonho com uma vida longínqua contigo. O meu nome é Eveline e, desde que o receio não me ate as mãos às grades do porto, será desta que escaparei de Dublin.

sábado, setembro 06, 2008

Bergotte

A escrita de Proust é imensamente bela. A palavra "bela" utilizada desta forma soa a uma banalidade, é certo. Em todo caso, julgo ser o adjectivo adequado para a sua descrição sucinta. Cada frase, cada argumento, usa um estilo que, é em primeiro lugar, belo. Poderão utilizar-se outros adjectivos posteriores, poderá destacar-se a subtileza das suas narrações, a ampla compreensão das personagens ou a expressão intensa das emoções, que são as suas, mas nunca sem começarmos for falar de beleza.

Em "Do lado de Swan", Proust fala da leitura de Bergotte, autor com que se entusiasmara na altura, de uma forma que eu poderia utilizar para descrever a minha experiência de leitura de Proust. Fá-lo-ia de uma forma imensamente menos competente.

"Nos primeiros dias, como uma ária musical que viremos a adorar, mas que ainda não distinguimos, não me apercebi daquilo que havia de amar tanto no seu estilo. Não conseguia largar o romance dele que estava a ler, mas julgava-me interessado unicamente no assunto, como nos primeiros momentos de amor em que vamos todos os dias procurar uma mulher numa reunião, num espectáculo, julgando-nos atraídos pelos prazeres que estes oferecem. Depois notei as expressões raras, quase arcaicas que ele gostava de empregar em certos momentos, quando uma onda oculta de harmonia, um prelúdio interior, agitava o seu estilo; e era também nesses momentos que ele se punha a falar do "sonho vão da vida", da "inesgotável torrente das belas aparências", do "tormento estéril e delicioso de compreender e amar", das "comoventes efígies, que enobrecem para sempre a fachada venerável e encantadora das catedrais", que ele exprimia toda uma filosofia, nova para mim, através de imagens maravilhosas que não pareciam ter despertado aquele canto de harpas que então se erguia, dando ao seu acompanhamento algo sublime. Uma dessas passagens de Bergotte, a terceira ou quarta que isolei do resto, causou-me uma alegria incomparável à que eu sentia com a primeira, uma alegria que julguei sentir numa região mais profunda de mim mesmo, mais uma, mais vasta, de onde os obstáculos e as separações pareciam ter sido retirados. É que, reconhecendo então o mesmo gosto pelas expressões raras, a mesma efusão musical, a mesma filosofia idealista que já das outras vezes, sem que eu me desse conta, tinha sido a causa do meu prazer, deixei de ter impressão de estar em presença de um trecho particular de um certo livro de Bergotte, traçando à superfície do meu pensamento uma figura puramente linear, mas antes do "trecho ideal" de Bergotte, comum a todos os seus livros e ao qual todas as passagens análogas que com ele vinham confundir-se teriam dado uma espécie de espessura, de volume, com que o meu espírito parecia ampliado."

Levantado

Tenho apresentado uma certa predilecção por escritores suicidas. Não os procuro, acontece de os ler e de me agradarem, pelo que repito visitas aos seus escritos.
Séneca viveu nos primeiros anos d.c., tendo-se suicidado em 65. Cartas a Lucílio é a sua obra mais conhecida. Foi concluída já na última fase da sua vida, tornando-a ainda mais interessante. É um tratado de reflexão ética e moral e um normativo teórico comportamental que reflecte o seu pensamento . Na carta 13, Séneca elogia a resiliência de Lucílio:

"Um atleta que nunca foi ferido é incapaz de afrontar o combate de ânimo alto. Só aquele que viu correr o próprio sangue, que sentiu os dentes rangerem sob os golpes, que, lançado por terra, suportou sobre o corpo o peso do adversário sem, embora abatido, nunca deixar abater o ânimo, só aquele que se ergue com mais energia de cada vez que é derrubado pode descer à arena com esperança de vencer."

domingo, agosto 24, 2008

Cafeína

Uma visita ao blog de um amigo recordou-me este texto que serve de prefácio ao romance A Arma dos Juízes de Clara Pinto Correia. O texto é magnífico e é por isso que o reproduzo abaixo na totalidade. A cada releitura que faço invade-me uma vontade imensa de tomar um bom café na baixa do Porto.

"Seja numa bica, num chá, ou numa bebida gelada, mesmo nas bebidas aparentemente já tão distanciadas do conceito original como a Coca-Cola, a cafeína move-se com facilidade a partir do estômago e dos intestinos para o fluxo sanguíneo, e daí segue para os órgãos, e em pouco tempo já se instalou em praticamente todas as células do organismo. É por isso que este alcalóide psicoactivo é um estimulante tão perfeito. A maioria das substâncias não conseguem atravessar a barreira sangue-cérebro, que é um mecanismo de defesa do corpo destinado a evitar a entrada no sistema nervoso central de vírus ou de toxinas. Mas a cafeína atravessa esta barreira com muita facilidade. Ao fim de cerca de uma hora, atingiu o máximo da sua concentração no cérebro, e, uma vez aqui instalada, faz um grande número de coisas - acima de tudo, bloqueia a acção da adenosina, o neuromodulador que nos faz sentir-nos ensonados, que faz descer a nossa tensão arterial, e que modera os nossos batimentos cardíacos. Depois, tão depressa como se acumulou no cérebro e nos tecidos, a cafeína desaparece - e é por isso que é uma droga tão segura. Nunca se demonstrou conclusivamente que nenhuma doença série esteja ligada ao consumo de cafeína. Com estes poderes mágicos, a cafeína teve a capacidade de infiltrar todos os aspectos da nossa vida, influenciando directamente a nossa cultura. Mais ainda, conseguiu criar novas culturas. O melhor exemplo será certamente a reputação do café como a «bebida dos pensadores». Esta conotação data da Europa do século XVIII, onde os cafés desempenharam um papel de primeira linha no espírito igualitário e integracionista que tinha então começado a varrer o continente. Estes cafés espalharam-se primeiro por Londres, alarmando de tal maneira o rei Carlos II que tentou bani-los. Em vão. Por volta de 1700, já existiam centenas de cafés em Londres, inundando a cidade de um novo espírito subversivo. A seguir o movimento alastrou até Paris, onde, no fim do século XVIII, os cafés se contavam às centenas - incluindo os famosos Café de la Régence e o seu vizinho Café Royal, que contavam entre os seus clientes Robespierre, Napoleão, Voltaire,Victor Hugo, Théophile Gautier, Rousseau, e o duque de Richelieu. Anteriormente, quando os homens se juntavam para falar em lugares públicos, faziam-no em bares, que serviam nichos sócio-económicos específicos e que, devido ao álcool que serviam, criavam uma forma de discurso específica. Os novos cafés, pelo contrário, atraíam muitas classes e profissões diferentes, e funcionavam como estimulantes, e não como depressantes. Daqui resultou muito provavelmente um grande estímulo para a arte da conversa se tornar uma fonte de inspiração literária, e para o despontar de uma nova geração das letras. Note-se, de caminho, que nos cafés originais toda a gente fumava, e que a nicotina também tem o seu efeito fisiológico preciso. Modera otemperamento, e expande a atenção. E, ainda mais importante, duplica a taxa de metabolização da cafeína. Ou seja, permite-nos beber duas vezes mais café do que o que beberíamos sem fumar Por outras palavras, o café original era um sítio onde homens de todas as espécies podiam sentar-se o dia inteiro; o tabaco que fumavam permitia-lhes tomar café todo o dia; e o café que bebiam permitia-lhes falar e pensar todo o dia. Foi desta conjugação espantosa de droga e de lugar que nasceu o Iluminismo. Depois o café expandiu-se destes santuários precisos para a casa de cada um, quando o café do Brasil começou a inundar o Ocidente a partir de 1820. Este dilúvio de cafeína deve ter sido instrumental no desencadear da Revolução Industrial: foi o café que permitiu que números impressionantes de pessoas passassem a poder coordenar os seus horários de trabalho por forma a estarem despertos e cheios de energia à hora marcada para iniciarem os seus turnos laborais, e para depois os continuarem enquanto fosse preciso. Não devemos esquecer que, até ao século XVIII, a maioria dos ocidentais bebia cerveja quase continuamente, e era com sopas de cavalo cansado que as pessoas começavam o dia. Cito apenas, a título de exemplo, uma receita de pequeno-almoço vinda da Alemanha:«Aquecer a cerveja num pote. Numa tigela separada bater dois ovos. Juntar um bocado de manteiga à cerveja quente. Juntar alguma cerveja fria e mexer bem para arrefecer, e depois juntar os ovos. Juntar uma pitada de sal, e bater bem para não talhar.»A partir do século XVIII, estas receitas foram substituídas por uma boa almoçadeira cheia de café. De certa forma, podemos explicar a Revolução Industrial enquanto consequência inevitável da transição súbita de um mundo onde de repente as pessoas, ao acordar preferiam estar alerta a estar embriagadas. Até esta altura, o trabalho intelectual tinha estado sempre associadoao lazer Esta tradição persistiu pelo menos desde que Arquimedes descobriu o princípio da alavanca enquanto estava a tomar banho. Como café, o génio intelectual passou a ser antes definido por aquela frase famosa que tanto é atribuída a Edison como a Einstein, e que provavelmente é mesmo apócrifa, «um por cento de inspiração e noventa e nove por cento de transpiração». No mundo industrializado, o trabalho da mente passou a ser tão árduo como o trabalho manual. Durante o século XX, as profissões também se alteraram em consequência, como fica bem exemplificado na medicina, que aproveitou o café para introduzir na cena os ordálios sucessivos das 24 horas de banco. O heroísmo intelectual passou a ser uma questão de resistência. Outro bom exemplo: a vida do físico Richard Feynman, tal como descrita na biografia «Genius» de James Gleick. «O dia de Feynmman começava às 8.30 e acabava quinze horas depois. Por vezes ele não podia sair do centro de computadores de todo. Uma vez trabalhou 31 horas de seguida, e no dia seguinte descobriu que um erro cometido poucos minutos depois de se ter ido deitar tinha empatado a equipa inteira. A rotina não permitia mais que umas escassas e curtas pausas.» Agora, estas performances sobre-humanas de Feynman revelam um talento natural maior que o de qualquer um dos seus predecessores? Ou será simplesmente devido ao facto de Feynman poder beber muito mais café? No livro The Man who Loved Only Numbers, Paul Hoffman descreve o lendário matemático Paul Erdos que «trabalhava turnos de dezanove horas, mantendo-se fortificado com de 10 a 20 mg de benzedrina ou ritalina, bicas curtas, e comprimidos de cafeína, defendendo com carinho e insistência que um matemático é uma máquina de converter café em teoremas». Uma vez, um amigo apostou quinhentos dólares com Erdos que ele não conseguiria passar um mês sem anfetaminas. Erdos aceitou a aposta e ganhou. Mas, durante o seu período de abstinência, sentiu-se incapaz de fazer qualquer trabalho sério. «Fizeste a matemática retroceder um mês», disse ele ao amigo quando recebeu os quinhentos dólares. Erdos conhecia muito melhor a sua consciência alterada do que a sua consciência natural, e este tipo de síndroma pode aplicar-se mais ou menos a toda a sociedade em geral. Uma parte do que significa ser humano na idade moderna implica que temos que construir os nossos estados mentais e cognitivos não apenas de dentro para fora, com pensamentos e intenções, mas também de fora para dentro, com aditivos químicos. Neste sentido, personalidade moderna é uma criação sintética: é cuidadosamente regulada, e modulada, e doseada, com cafeína, para que possamos estar sempre acordados e alerta, e concentrados no nosso foco preciso de cada momento. Quase de certeza que qualquer um de nós, para ganhar uma aposta, conseguiria estar um mês sem ingerir cafeína. Mas o que é que adiantaríamos com isso? Os advogados não conseguiriam exercer durante todas as suas horas de expediente. Os jovens médicos demorariam muito mais tempo a treinar-se. Os físicos, provavelmente, ainda estavam a tentar inventar a bomba atómica no deserto do Novo México. O mundo inteiro andaria um mês para trás. Claro que é um bocado inquietante pensarmos assim, a frio, que a personalidade moderna é de característica sintética. Quando pensamos em construir novas identidades a partir de meios químicos, pensamos nas drogas duras, e não na cafeína. Timothy Leary costumava usar omesmo tipo de discurso a propósito do LSD, e provavelmente a razão pela qual a sua revolução nunca chegou a ir a lado nenhum foi a maioria dos mortais ter achado aquela ideia do «tune in, turn on, drop out» um bocado desagradável. Ora aqui estava um verdadeiro shaman, um verdadeiro visionário - e no entanto, se a sua consciência era assim tão fabulosa, por que é que o homem parecia tão determinado a alterá-la? E, mais importante ainda, o que é que se esperava que agente encontrasse quando fizesse o tal «tune in»? Davam-nos algumas pistas, como cores psicadélicas e leituras profundas do «Lucy in the Sky with Diamonds», mas há que admitir que isto era um bocado vago. Se era suposto a gente recriar-se, era bom que nos dissessem em que é que íamos transformar-nos. A cafeína é a droga que funciona melhor e se mostra mais útil para responder exactamente a esta pergunta, em qualquer uma das formas em que se nos ofereça. É um estimulante que bloqueia a acção da adenosina, e aparece numa grande variedade de formas, cada uma delas com a sua lenda precisa associada, uma História feita de fragmentos históricos e imaginários recentes, que transforma cada acto diário de bloquear a adenosina numa declaração de intenções com sentido e propósito. Ponham a cafeína dentro de uma lata encarnada, e é um divertimento refrescante. Ponham-na a abrir lentamente dentro de um bule de chá, e é um convite ao romance e ao decoro. Extraiam-na directamente de uns grãos escuros, e é uma fonte mágica de potência e energia. E fixem bem esta passagem, do livro «The World of Caffeine», de Bealer e Weinberg:«Havia um emigrantezinho russo, Trotsky de seu nome, que durante a Primeira Guerra Mundial tinha o hábito de ir jogar xadrez todas as noites para o Café Central de Viena. Era um refugiado russo típico, que falava demais mas parecia absolutamente inofensivo, até certo ponto uma figura patética aos olhos dos vienenses. Um dia em 1917 um oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Áustria entrou a correr no gabinete do ministro, arfante e excitado, e disse ao seuchefe: "Excelência... Excelência... A Revolução rebentou na Rússia! "O ministro, menos excitado e menos crédulo que o seu subordinado, rejeitou esta pretensão tão disparatada e respondeu calmamente: "Vá-se embora... A Rússia não é um sítio onde rebentem revoluções. Aliás, pelo amor de Deus, quem é que seria capaz de fazer uma revolução naRússia? O Herr Trotsky, do Café Central?»Há coisas que às vezes os ministros não sabem. Por exemplo, que, se derem a um homem suficiente cafeína, ele é capaz de tudo."


Prof Frederico Guilherme de Castro in «Conscioustiess: Biology of Mystery?», Camberra University Press, Camberra, Austrália, in prep

sábado, julho 26, 2008

Il doppio legame

Foi desaparecendo tudo a pouco e pouco, confessou-me Lúcia, mais calma naquela tarde. Senti-o esfumar-se diante de mim como uma névoa se esfuma.
Lúcia coçava o braço esquerdo e fazia ranger os dentes enquanto lhe transmitia palavras de conforto que tinha dificuldade em articular. Inquietei-me também, solidário, e oscilei na cadeira de uma forma calculada. Os seu olhar parecia perder-se quando interrompia o discurso, para retomar o meu quando voltava a contar-me o que sentia.
Recordo-me de quando começaram a rarear-lhe as palavras, disse-me, e de como perdeu força a sua voz, que passou a apenas murmurar na maior parte das ocasiões. Desapareceram também os olhares, cada dia mais murchos, pesados e vazios. E os gestos, que se fizeram meros acenos
Desde essa altura, sombrio, passava os dias a escrever. Eram textos que nunca me mostrou, ao contrário do que fazia tipicamente com as suas publicações, fossem literárias ou científicas. Estes textos pareciam vazar-lhe a alma, sorver-lhe os sentidos como nunca havia sucedido anteriormente.
Os mesmos textos que o salvaram da loucura, mais do que o exército russo, consumiam-lhe, em vingança, agora tudo. Penso que nunca o compreendi totalmente. A maior parte dos que o podiam compreender tinham morrido há muito, num local onde também ele estava destinado a morrer.
O sentimento de culpa irracional por ter sobrevivido sempre o perseguiu. Não lhe davam descanso, as cumplicidades e os acasos felizes desta sobrevivência e pesavam-lhe o rosto e o passo. Nos últimos dias, estas recordações injustas pareciam encurralá-lo de medo.
Encontrei-o caído nas escadas, dizem que se matou, rezo para que não tenha sido assim, seria a pior das coisas.

Trecho da minha entrevista (que nunca aconteceu) a Lúcia Levi.

sábado, maio 03, 2008

Insensatez

Senti saudades de Torga neste fim-de-semana. Voltei a folheá-lo em busca da sua magnífica perspicácia para as coisas humanas.

"Coimbra, 11 de Março de 1973 - Não tenho emenda. Teimo na insensatez de pôr a mesma intensidade em cada acto do dia a dia, até quando sei objectivamente que não vale a pena. E acabo por me gastar da maneira mais absurda, como uma vela que continuasse a arder diante da evidência da luz do sol. Dissipo o presente em vez de o capitalizar para o futuro. Sempre disponível e sem prioridades absolutas, quero equivaler-me em todas as circunstâncias, e o resultado é andar atrasado comigo por um perdulário escrúpulo de atenção."

Quantos de nós?

The Black Swan

Leio actualmente The Black Swan, The Impact of the Highly Improbable, de Nassim Nicholas Taleb, penso que continuarei a lê-lo, apesar das críticas pouco abonatórias do New York Times (justas de resto, pelo menos no que se refere à fraude Yevgenia Krasnova no capítulo 2).
Um argumento crucial no livro, que julgo particularmente meritório, é dar-nos a perceber que aquilo que desconhecemos acerca de um qualquer tema pode ser infinitamente mais relevante do que aquilo que conhecemos. Apesar disso, tendemos a tomar decisões com base no que conhecemos e não com base no que desconhecemos. Temos até uma tendência natural para sobrevalorizar o que conhecemos em desfavor do que desconhecemos. E, tipicamente, tendemos a explicar, por exemplo, acontecimentos históricos com base no que conhecemos e não com base no que desconhecemos.
O autor alerta para o grande impacto que têm factos que desconhecemos, e, fundamentalmente, para o grande impacto que têm factos altamente improváveis para a explicação de acontecimentos, quer pessoais, quer históricos.
O título do livro, Black Swan, é uma alegoria a estes factos altamente improváveis. No hemisfério norte, todas as pessoas estavam totalmente convencidas de que todos os cisnes eram brancos. A observação sucessiva de cisnes brancos garantia esta certeza. O avistamento, com a descoberta da Austrália, do primeiro cisne negro pôs a nu, quer a fragilidade dessa assumpção, quer a fragilidade do conhecimento baseado na observação empírica. Na verdade, para que um facto tido como absoluto pela observação empírica sucessiva seja colocado em causa, basta que exista uma única observação que o contradiga.

quinta-feira, março 06, 2008

With Borges

Aos 16 anos Alberto Manguel trabalhava numa livraria de Buenos Aires, quando um escritor cego, Jorge Luís Borges, lhe propôs um emprego em part-time como leitor em voz alta. Mais tarde o jovem Manguel tornou-se um aclamado escritor e relatou este encontro, que durou vários anos, em With Borges.
Gostei especialmente das seguintes palavras que subscrevo...
"But to me, those evenings with Borges were (in the arrogance of my adolescence) not really something extraordinary, something not alien to the world of book which I always assumed was mine. If anything, it was most other conversations that seemed to me alien, uninteresting - conversations with my teachers about chemistry and geography of the South Atlantic, with my school mates about soccer, with my relatives about my exam results and my health, with neighbours about other neighbours. Instead my conversations with Borges were what, in my mind, conversations should always be: about books, and about the discovery of writers I had not read before, and about ideas that had not occurred to me, or which I had glimpsed only in a hesitant, half-intuited way that, in Borge's voice, glittered and dazzled in all their rich and somehow obvious splendour."

sábado, março 01, 2008

António

O calor e a ansiedade encharcavam a face de António. Os fios que tombavam da sua testa aliavam-se ao cansaço que lhe pesava as pestanas. O suor escorregava, em gotas, pela cana do nariz, para se acamar nas covas do seu lábio superior. Acumulava-se a água, como um bigode, por cima da boca até ser sacudida por um safanão violento vindo do volante. Outros fios escorriam-lhe nas costas provocando arrepios embaraçosos que o deslocavam no banco. Habituara-se ao suor desde que começara a tomar peso, ainda antes de partir para África, mas, aquela viagem apressada, estava a transformá-lo num pano encharcado. Uma mosca enamora-se do seu ouvido esquerdo em tangentes sonoras incómodas que procurava interromper com o esgar do pescoço na direcção da janela. As mãos melosas tentavam alcançar a alavanca para abrir o vidro, permitindo expulsar a mosca e repor alguma justiça na sua temperatura corporal.
Há mais de cem quilómetros que não falava, os pensamentos ocupavam-lhe a mente, não deixando espaço para o discurso. Ao seu lado, Júlio não se atrevia a quebrar o silêncio. Noutras circunstâncias talvez o fizesse mas, desta vez, limitava-se a refrescar-se com água e a desejar que a noite anterior nunca tivesse acontecido. Preparava, há algum tempo, uma interjeição que resolvesse aquele desconforto que se adensava mas, desistia sempre no último momento. Descrevia gestos tensos, ora arrastando as mãos sujas pelas coxas, ora coçando violentamente as patilhas até que se enchessem os ombros de caspa fina. Júlio nunca fora um tipo violento, nem mesmo com os pretos em África, a quem raramente levantava a mão, mas o álcool e uma zaragata foram suficientes para o levar à vertigem que o condenou.
Aproximava-se a fronteira, forçando a paragem para que Júlio se escondesse na bagageira do Volvo. Escondeu-se por baixo de umas mantas e de uns sacos de viagem que serviriam para o disfarce, pediu mais uma vez desculpa como um cão arrependido e envolveu-se quieto. António tornou ao volante, apesar de ter ponderado abandonar o carro naquele momento. Recordou, nesta altura, a fronteira da Namíbia, que passou vezes sem conta em direcção à Africa do Sul, o calor e a poeira davam particular credibilidade a esta recordação.
Chegado à fronteira, António parqueou o carro e meteu conversa com o fiscal que se preparava para vistoriar o carro. Abriu a bagageira, onde se distinguia um pé de Júlio enroscado por baixo dos sacos. Um choque de pânico percorreu António, que se viu perdido naquele momento. Puxou as calças para cima, num gesto nervoso que muitas vezes repetia, e retomou um ar calmo. Julgando ser o pé de um morto e temendo o pior também para si, o fiscal disse a António que seguisse.
Seguiram para Tui onde ficou Júlio, em lágrimas, com algum dinheiro para a fuga. Uma semana mais tarde, ainda com dinheiro no bolso, voltou a Portugal e entregou-se à guarda.
Desenho - Andreia Dias

domingo, janeiro 20, 2008

Cidreira

Com Torga partilho sentimentos e palavras, como as seguintes do seu Diário, que podiam ser minhas...
"Coimbra, 12 de Janeiro de 1971 - E era tão fácil ter paz! A bovina, evidentemente, e a que apetece, em boa verdade, na maioria das horas. O corpo afundado no sofá, e o espírito alapardado na conformação. Sorrir, aquiescer, abanar a cabeça, fingir... As pessoas querem-nos banais, passivas, conciliantes... Pois sejamo-lo. Não vale a pena contrariá-las, ser junto delas uma presença de constante inquietação... Mas, quando tudo parece bem encaminhado, um demónio interior borra repentinamente a pintura. Numa frase, numa interjeição, num gesto, ponho fim à comédia. Tiro a máscara, e mostro o rosto impaciente, crispado, rebelde a qualquer domesticação. Resultado: Um abismo de ressentimentos à minha volta. E dá-me vontade de morrer. Em nome de um homem abstracto que tento dignificar em mim, sacrifico o homem concreto que sou, o mais vulnerável dos mortais - que a secura duma resposta pode manter, como agora, acordado e desesperado a noite inteira -, tímido, agónico, Deus sabe até que ponto necessitado em certos momentos de saborear também a cidreira da felicidade sem história"

terça-feira, janeiro 15, 2008

Fronteiras

Torga escrevia na década de 60 com um esclarecimento invulgar para os tempos que se viviam. Muitas passagens do seu Diário mostram a sua extraordinária visão. As linhas que transcrevo são particularmente visionárias, quer para 1969, quer para os dias de hoje.

"Verin, 17 de Setembro de 1969 - O gosto que o homem tem de atravessar fronteiras! A alegria que traz estampada no rosto um amigo a quem vim mostrar uma nesga de Espanha! Nunca tinha saído de Portugal. E parece que cresceu por dentro em duas horas mais do que em todos os anos que tem. Quando se transpõe um vedado nacional com tal alvoroço e proveito, é a virtualidade da participação na feira do mundo, retesada dentro de nós, que, finalmente revelada, se expande e rejubila. Se não houvesse outros argumentos a favor da fraternidade humana, bastava este."

domingo, janeiro 06, 2008

Estender a Mão ao Mundo

Agrada-me em Obama a mistura das suas raízes e a forma como tranporta essa mistura para o seu discurso. Estou fortemente convencido de que será o próximo presidente dos Estados Unidos, ou, pelo menos, tenho essa esperança. O que penso sobre a importância desta eleição está resumido nas palavras de Peter Lipovac, um professor reformado, entrevistado pelo Expresso durante um comício no Iowa:
"Consegue imaginar o que será um homem chamado Barack Hussein Obama sentado à mesma mesa com árabes? Consegue imaginar o que será um homem negro, abandonado pelo pai, a conferenciar com os países que nos desprezam? Não vê como ele vai poder estender a mão a pessoas de todo o mundo?"

domingo, dezembro 30, 2007

Fernando

Fernando apaixonara-se recentemente por um livro, era algo que lhe acontecia recorrentemente. Como era hábito, durante estes amores correspondidos, insistia em reconhecer as personagens que o enamoravam nos seus vizinhos. Ontem tinha encontrado Richard, o poeta, no vizinho do terceiro andar, de quem a doença parecia também estar a tomar conta. E, recentemente, encontrara Laura Brown em Helena do bloco B. Encontrou em Helena a infelicidade disfarçada de Laura e adivinhou que estivesse naquele momento a ler Mrs. Dalloway deitada na cama de um Hotel, preparada para acabar com tudo.
Adorava viajar, prazer que lhe havia sido furtado pelo nascimento do primeiro filho, contentava-se agora com pequenos passeios solitários ao Domingo de manhã, pela fresca, para que se não atrasasse para o almoço familiar. Saiu cedo para desfrutar da cadência cardíaca do mar de Vila do Conde ao desfazer-se nas rochas. O mar estava agitado e formava finos carneiros no areal, o compasso ritmado das ondas, perto do castelo, convidava ao mergulho no abismo a que, por certo, Virgínia não resistiria em um dos seus dias maus. Queria cansar as pernas naquele dia, ia em busca de Clarrisa, Sally e Louis por entre os veraneantes tardios de Outubro. Os vendedores desfraldavam os toldes baptizando quem passava com as águas acumuladas da geada, procurava uma florista onde pudesse esperar Clarissa antes da festa. Avistou-a ao longe, os cabelo claros, a pele luminosa de saúde e a cesta de vime para compras permitiram a sua identificação imediata. Imaginava-a já a sair da florista com uma braçada de flores e com o chapéu a cair-lhe tocado pela brisa. Passou pela florista sem entrar, talvez estivesse atrasada para encontrar Richard.
Regressou para o almoço, causava-lhe fastio aquela reunião familiar, onde pontificavam os parentescos figurões e faisões herdados de sua mulher. Por certo encontraria Rodrigo, cantor de câmara, que não se fazia rogado em contar a opulência da sua vida de artista, que contrastava com o cinzento da sua face. Cruzou-se com Helena ao chegar a casa, deslizava apressadamente nos paralelos da rua, esquivando-se aos carros mal estacionados, vinha lívida do beijo roubado a Kitty na sua cozinha.
Sentou-se, desejando falar e comer pouco, não pretendia fazer durar aquele período de sofrimento. Por momentos viu entrar na sala uma moça de seios trementes, esmagando o soalho, ostentando uma travessa fumegante e imaginou-se em Tormes preparado para partilhar com Jacinto um arroz de favas. A sua boca aguada secou-se ao ver outro conteúdo na travessa e por terem sumido os seios fartos à moça servente.

sábado, dezembro 29, 2007

Helena

Perguntou-me desdenhoso se sempre jantávamos naquele dia. Atrasei o jantar propositadamente, dava-me certo prazer vê-lo roer-se de fome enquanto rondava a cozinha impaciente, afinal, este era um acto de tortura a que julgava ter direito após anos de solidão acompanhada. Cozinhei com especial esmero naquele dia, pensei cuidadosamente no seu prato preferido, e bacalhau era o prato certo para uma ocasião tão solene. Demolhei-o durante três dias, trocando-lhe a água no final do primeiro, escolhi a mais rendilhada travessa assadeira que me tinham dado como prenda nesse ano, reguei abundantemente as mais altas postas com o mais puro azeite depois de as ter colocado sobre finas rodelas de cebola e tomate. Rodeei as postas de salsa e louro, ervas que permitem um gosto que ele muito apreciava, cozi pequenas batatas durante a tarde que coloquei na assadeira para que alourassem, levei tudo ao forno e esperei. Durante o tempo de espera desfiz duas mangas com leite condensado e gelatina seguindo a receita de mousse de manga da minha mãe. Pus a mesa com o nosso serviço e, no centro, coloquei um imponente arranjo floral que comprei nessa manhã no mercado da fruta.
Detive-me alguns momentos a observá-lo enquanto inalava à força as últimas nuvens de fumo do seu cachimbo asqueroso, dirigi-me à cozinha e esfarelei 20 dos meus comprimidos para dormir com a ajuda do coto da faca de desmancho. Juntei-os ao jarro de vinho, não bebi vinho naquela noite, não o fazia regularmente pelo que não levantei suspeitas. Comeu alarvemente com aquela forma de sorver os alimentos que me enoja, bebeu também todo o jarro de vinho. No final da refeição sentia-se cansado e foi deitar-se. Vesti o casaco, bati a porta e nunca mais voltei.
António ouviu pacientemente o relato de Helena, engasgando-se com o salivar excessivo a que não estava habituado nestas inquirições. Todo aquele discurso o inquietou, e nem a sua vasta experiência como inspector impediu a sua surpresa, principalmente tendo em conta que o corpo que estava nesse momento na cave do edifício tinha doze facadas no peito.
Nesse dia, António comprou flores que levou para casa, e deitou no caixote do lixo o cachimbo que usava desde os tempos da tropa.

segunda-feira, outubro 29, 2007

I Sing of Change

Transcrevi este poema de um painel no metro de Londres enquanto viajava entre Paddington e Piccadilly.

"I sing
of the beauty of Athens
without its slaves

Of a world free
of kings and queens
and other remnants
of an arbitrary past

Of earth
with no sharp north
or deep south
without blind curtain s
or iron walls

Of the end
of warlords and armouries
and prisons of hate and fear

Of deserts treeing
and fruitingafter the quickening rains

Of the sun radiating ignorance
and stars informing
nights of unknowing

I sing of a world reshaped"

Niyi Osundare (1947)
African Poems on the Underground

Memórias de Adriano

Memórias de Adriano, de Marguerite Yourcenar, é uma longa carta ditada pelo Imperador Adriano ao jovem Marco Aurélio, que viria a suceder-lhe no trono, numa altura em que a sua morte se aproximava. É particularmente inspiradora a seguinte passagem:
"A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz humana, assim como as grandes atitudes imóveis das estátuas me ensinaram a apreciar os gestos. Em contrapartida, e posteriormente, a vida fez-me compreender os livros."

O Escritor

Yashima Khadra é o pseudónimo sob o qual escreve Mohammed Moulessehoul. Moulessehoul nasceu em Orão em 1955 e foi, até há pouco tempo, militar de carreira do exército Argelino. A sua escrita percorre os conflitos recentes no Médio Oriente com uma lucidez e um equilibrio invulgares, é assim em O Atentado e em As Sirenes de Bagdad, ambos publicado em português pela Bizâncio. O seu pseudónimo feminino permitiu-lhe escapar à censura militar, em O Escritor, Moulessehoul revela a sua identidade, conta a sua história, descrevendo-a como a fatalidade de ser escritor:
"O sofrimento não me aterrava; despertava-me, fazia-me tomar consciência da minha singularidade; eu era aquele que sabia ver, que esta va atento à dor dos camaradas. E essa coisa, que se fortalecia em mim, habitava-me justamente para me assistir nessa vocação. Não foi senão ao ler O Pequeno Polegar que a descarga se abateu sobre mim, como uma revelação que bate à porta. Era aquele o dom divino: o verbo. Nascera para escrever! Ao abrir o belo livro, ao percorrer as suas páginas de esplêndidas ilustrações, plenas de fascínio, fiquei irremediávelmente apanhado: escrever livros.
Devorei outros contos com um apetite insaciável: Branca de Neve, O Capuchinho Vermelho, A Bela Adormecida, as Fábulas de La Fontaine. Era feérico. Mas o meu fascínio, o verdadeiro, não era nem pelas histórias nem pelas personagens ou pelo talento fantástico dos desenhadores. Só o descobri ao iniciar-me, eu próprio, na escrita: estava fascinado pelas palavras... aquela junção de caracteres mortos que, entre uma maiúscula e um ponto, ganhavam de repente vida, tornavam-se frases, conjuntos, aquiriam força e espírito. Soube de imediato aquilo que mais queria no mundo: uma pena ao serviço da literatura, essa sublime bondade humana que não tem igual senão na sua vulnerabilidade; essa bondade suprema que continua a ser, ainda hoje, a última fortificação da nossa salvação, o último bastião contra a animalidade, e que, se alguma vez viesse a ceder, sepultaria sob os seus escombros todos os sóis do mundo, e então, boa-noite..."

sábado, março 03, 2007

Crónica de uma Morte Anunciada

Pedro e Pablo Vicario saíram de casa naquela noite determinados em matar Santiago Nassar, o responsável pela desonra da irmã dos dois gémeos. Fizeram questão de anunciá-lo a quem os quis ouvir, como exige este motivo para jura de morte. Passaram pelo mercado da carne onde afiaram as facas e informaram Faustino Santos da sua intenção, disseram-no também a Clotilde Armenta e a todos quantos estavam na leitaria. Em pouco tempo toda a povoação sabia do que estava prestes a acontecer, mas nem por isso fizeram o que fosse para evitar que os irmãos Vicario atingissem o seu objectivo.
Em parte não o fizeram porque acreditavam na vingança da honra de uma irmã como um motivo moralmente justo para a sentença de morte, foram por isso cúmplices silenciosos do assassinato.
Em Portugal passam-se fenómenos semelhantes ao do romance de Gabriel Garcia Marquez. Não porque vejamos a morte como única forma de vingar a desonra, nesse aspecto somos menos efervescentes do que os sul-americanos.
Existem, no entanto, crimes que por mais que nos sejam anunciados diariamente, ou até garbosamente assumidos pelos próprios, nunca verão culpados verdadeiramente punidos no nosso país, crimes como a corrupção nas autarquias ou a fraude de resultados desportivos no futebol. Na verdade, em Portugal a maioria da população não vê estes crimes como moralmente errados, ou pelo menos não lhes confere uma condenação moral relevante, sendo este o principal motivo para a sua impunidade.
Desta forma, Pedro e Pablo Vicario poderão continuar a sair de casa exibindo as suas facas e dizendo ao que vão…

domingo, janeiro 14, 2007

O Muro

George W. Bush promulgou, no dia 26 de Outubro, a lei que autoriza a construção de um muro de protecção ao longo da fronteira entre os Estados Unidos e o México. O objectivo deste muro é limitar a imigração ilegal uma vez que passará a ser mais caro e mais perigoso atravessar ilegalmente a fronteira que separa os dois países.
Esta notícia fez-me recordar o livro Fair Play - What Your Chlid Can Teach You About Economics, Values, and the Meaning of Life de Steven E. Landsburg que me foi emprestado há algum tempo por uma amiga. Este autor celebrizou-se através a sua publicação anterior The Armchair Economist e através a sua coluna Everyday Economics na Slate magazine.
A propósito da sua posição contra o proteccionismo, Landsburg conta como a sua filha Cayley, ainda uma criança, lhe perguntou a razão porque devemos tratar de forma diferenciada um trabalhador fabril de Detroit e um trabalhador fabril da cidade do México.
Na verdade não parece existir qualquer razão moral para uma diferenciação de tratamento apenas baseada no local de nascimento e em linhas fronteiriças imaginárias.

"My daugther knows that people are created equal, and that nobody's right to prosper should be altered by being born on the wrong side of an imaginary national boundary line. It would never occur to her to care more about an autoworker in Detroit that about an autoworker in Tokyo or Mexico city"

A nacionalidade apresenta-se cada vez mais como uma ferramenta de totalitarismo totalmente inaceitável...

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Auto-Regulação e Desenvolvimento

Há alguns meses encontrei-me com um amigo dono de uma empresa de calçado. Falámos acerca da sua recente visita à Índia. O objectivo dessa visita foi profissional pelo que falámos um pouco sobre as condições de trabalho industrial nesse país. Contou-me sobre as deficientes condições das infra-estruturas industriais, sobre os horários de trabalho intensos, sobre as remunerações miseráveis e sobre o trabalho infantil massificado. Nada do que que me contou foi uma absoluta novidade mas o seu relato foi particularmente marcante, provavelmente por ser composto por imagens contadas por uma pessoa que me é próxima e por se basear em memórias ainda frescas da sua viagem.
Esta nossa conversa foi concluída com uma reflexão que julgo importante, disse-me este meu amigo que, provavelmente, algumas pessoas ocidentais ao terem noção das condições em que algumas peças do seu vestuário são fabricadas teriam repulsa em vesti-las ou comprá-las.
Um artigo recente do Internacional Herald Tribune, publicado esta semana no Courrier Internacional, prova-nos que as próprias marcas ocidentais são sensíveis a esta reflexão. Este artigo descreve a rotina diária de um auditor de conformidade social na China que trabalha para grupos americanos e europeus interessados em ter uma imagem fiel das condições de produção dos seus produtos nestes países. As auditorias de conformidade social surgiram nos anos 90, no âmbito de movimentos de protesto ocorridos nos Estados Unidos. Empresas como a Nike e a Wall-Mart começaram a ser pressionadas por grupos representativos dos seus próprios clientes no sentido de melhorarem as condições de trabalho dos seus subcontratados asiáticos.
Após vários escândalos, torna-se claro que as empresas ocidentais não podem permitir-se a este tipo de publicidade. Começa a verificar-se um fenómeno que este artigo designa de paradoxal, as empresas capitalistas ocidentais empenham-se em melhorar as condições laborais na China.

domingo, outubro 29, 2006

Inconveniente

No filme Uma Verdade Inconveniente, Al Gore inicia a sua apresentação recordando um episódio da sua infância. Este episódio passa-se no seu sexto ano durante uma aula de geografia. Nesta aula, o professor de Gore mostrou aos seus alunos o mapa do mundo. Enquanto o mostrava um dos colegas de Gore levantou o braço e apontou primeiro para a costa este da América do Sul e depois para a costa ocidental de África perguntando se em algum momento estes dois pedaços enormes de terra teriam estado unidos. A sua questão estava relacionada com o recorte semelhante das faixas costeiras destes dois continentes. Como resposta o professor terá dito que era evidente que não, e que essa era a coisa mais ridícula que já alguma vez tinha ouvido. Por esta altura a teoria das placas tectónicas não era universalmente aceite em termos científicos e era desconhecida da maior parte das pessoas. O professor de Gore partiu de um pressuposto que para ele era inquestionável, os continentes são tão grandes que, obviamente, não se deslocam. Pois, na verdade, os continentes deslocam-se e em tempos estiveram unidos.

Al Gore termina esta ilustração com uma frase de Mark Twain:

“It ain’t what you don’t know that gets you into trouble. It’s what you know for sure that just ain’t so.”

Só a inconveniência nos libertará da armadilha apresentada por Mark Twain…

It Is Our Time to Rise Again to Secure Our Future

É desta forma que Al Gore termina o seu livro Uma Verdade Inconveniente.
Com Uma Verdade Inconveniente Al Gore tem dois objectivos e é bem sucedido em ambos. Em primeiro lugar, esforça-se por fazer uma explanação clara, estruturada e convincente acerca da urgência do problema do aquecimento global. E em segundo lugar, apresenta este quadro como reversível, interpelando-nos a agir no sentido desta reversão. Este segundo objectivo é particularmente responsabilizador da geração que actualmente habita o nosso planeta. Gore refere que o empenho ambiental na resolução do problema do aquecimento global definirá moralmente a nossa geração.
Assisti ao filme há algumas semanas, a sala estava cheia e no final fui surpreendido pelos aplausos do público. Questiono-me sobre a leitura que devo dar a estes aplausos. Devo considerá-los um indicador da identificação com o problema apresentado? Serão um indicador da nossa consciência ambiental e do nosso empenhamento na resolução deste problema? O futuro irá responder-nos a estas questões e seremos julgados moralmente por isso...

sexta-feira, outubro 06, 2006

Se Isto É Um Homem

"Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não.
Considerai se isto é uma mulher,
Sem cabelos e sem nome
Sem mais força para recordar
Vazios os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou então que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entreve,
Que os vossos filhos vos virem a cara."

texto inicial do livro "Se Isto É Um Homem" de Primo Levi

quinta-feira, setembro 21, 2006

Se Isto É Um Homem

Em "Se Isto É Um Homem" Primo Levi relata o ano da sua vida passado no campo de concentração de Auschwitz, onde foi testemunha e vítima dos horrores da segunda grande guerra mundial. Acredito convictamente na verdade dos testemunhos de Primo Levi e por isso me inquietam declarações negacionistas do Holocausto. Inquietam-me também as versões alternativas dos acontecimentos de 11 de Setembro que considero terem características negacionistas equivalentes. De acordo com estas versões terá sido a própria administração norte americana a planear e executar o ataque às torres gémeas. Parece-me adequado perguntar, perante estes novelos conspirativos, que conspiração terá estado por trás dos ataques de 11 de Março em Madrid e de 7 de Julho em Londres. Terão sido planeados também pelos americanos? Pelo PSOE de Zapatero ou pelo PP de Aznar? Pelos Trabalhistas ou pelos Conservadores ingleses?

domingo, setembro 10, 2006

The Next Attack

Num artigo da The Atlantic Monthly publicado pelo Courrier Internacional são explicadas as principais razões para não ter existido outro grande atentado em solo americano após o 11 de Setembro.

"O patriotismo da comunidade muçulmana americana foi grosseiramente subestimado", desta forma, ao contrário do que acontece na Europa, o processo de recrutamento de células americanas de origem muçulmana foi um fracasso.
"Os imigrantes árabes e muçulmanos instalados nos EUA seguiram o mesmo percurso que outros grupos étnicos americanos bem assimilados e são fundamentalmente diferentes da classe muçulmana desfavorecida e mal integrada da maior parte dos países da Europa. (...) a Europa Ocidental acolhe uma população muçulmana que representa um pouco mais do dobro da comunidade estabelecida nos EUA. Mas a maior parte das medidas que provocam descontentamento e agitação - detenções, motins, actos de violência ligado à religião - são dez a quinze vezes mais elevadas na Europa do que nos EUA. O rendimento médio dos muçulmanos em França, na Alemanha ou na Grã-Bretanha é inferior ao do conjunto da população desses países, enquanto que o rendimento médio dos árabes americanos é superior ao rendimento médio americano. Em média possuem também mais empresas e mais diplomas universitários do que o conjunto dos americanos."

De acordo comeste artigo, a principal defesa anti-terrorista dos EUA é a inclusão social dos muçulmanos, "comunidade que foi, no seu conjunto, insensível ao vírus jihadista"...

Voo 93

O filme Voo 93 de Paul Greengrass é verdadeiramente notável.
Numa altura em que passam 5 anos sobre os acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 multiplicam-se nas televisões peças jornalíticas que cedem a uma tentação recorrente, misturam os acontecimentos de 11 de Setembro com as suas consequências, formulando juízos de valor anti-americanos. Este filme é o contrário de todas estas peças, não cede a essa tentação e procura ser descritivo.
É normal a discussão em torno dos ataques de 11 de Setembro abarcar temas como a invasão ao Iraque ou os mais recentes raides militares de Israel no Líbano. Parece-me que o dia 11 de Setembro de 2001 pode ser discutido de forma isolada dos acontecimentos que lhe sucederam. Penso que desta forma conseguiremos ter uma ideia mais clara sobre os dois lados destes conflito.
O filme de Greengrass permite recentrar a discussão do 11 de Setembro nos seus acontecimentos, no desvio e despenhamento intencional de 4 aviões com o objectivo de matar o maior número de pessoas possível. As motivações para estes actos inacreditáveis são nublosas e pouco explícitas, mas as mortes de inocentes não são danos colaterais, são o seu principal objectivo...

segunda-feira, agosto 28, 2006

Hermes Ambiental

"It is difficult to get a man to understand something when his salary depends upon his not understanding it"

http://www.climatecrisis.net

O filme "An Inconvenient Truth", em que Al Gore (ex- futuro presidente dos EUA) nos alerta para a urgência do problema do aquecimento global, estreia em Portugal no dia 14 de Setembro.

segunda-feira, agosto 21, 2006

Hermes Económico


Acerca da possibilidade de o governo bloquear os processos de oferta publica de aquisição que decorrem em Portugal, o editorial do Jornal de Negócios de 18 de Agosto refere o seguinte:

"Quando um governante toma uma decisão a defender o interesse do país, temos a certeza de duas coisas: é o interesse de alguém que está a ser protegido e somos nós, como consumidores e/ou contribuintes, quem paga essa protecção."


Hermes Político

O Público do último sábado oferece-nos um longo artigo acerca de Bill Clinton, o aniversariante do dia. Realço a seguinte passagem desse mesmo artigo:
"O primeiro baby bommer na Casa Branca revolucionou por completo a forma de se relacionar com o público: não era um homem inatingível num pedestal, mas um americano “normal” que abraçava a sua origem humilde, admitia ser um adepto de junk food, reconhecia ganhar menos do que a mulher e fazia gala de assinalar as suas preferências culturais pop (o que lhe valeu a designação de “Presidente MTV”). Um dos seus feitos mais recordados foi o seu improviso de saxofone no programa de Arsenio Hall – a escritora Toni Morrison viria a classificá-lo como o primeiro Presidente preto”.

quarta-feira, agosto 09, 2006

Hermes Iluminista

Em entrevista ao El País e à Visão, Al Gore refere Jürgen Habernas para sustentar o seguinte:
“As bases da democracia moderna foram criadas durante o Iluminismo e baseiam-se no domínio da razão. O Iluminismo, em si mesmo, é um produto do novo sistema de informação que nasceu do aparecimento da imprensa, porque deu a cada indivíduo a capacidade de se juntar ao debate político; permitiu às pessoas utilizar o conhecimento para mediar entre riqueza e poder, rompendo a estrutura feudal que tinha sido construída em torno do monopólio de informação que a Igreja exibia. Actualmente, a meritocracia das ideias criada pelo iluminismo através da palavra impressa foi ultrapassada por uma nova revolução. Gutemberg chegou há 500 anos. Há 50 anos chegou a televisão como força dominante. Isto significou um regresso aos mosteiros medievais, porque a fonte das mensagens ficou nas mãos de poucos. Agora, o indivíduo já não pode intervir no debate por cima dos meios de comunicação dominantes.
A Internet está a começar a desafiar a televisão e representa para mim a esperança de recriar o debate da democracia.”

domingo, agosto 06, 2006

Hermenêutica

Arte ou perícia de compreender e interpretar significados escondidos...

Numa definição mais restrita, método ou sistema de interpretação e compreensão de textos biblicos (por extensão de qualquer outro texto, histórico, jurídico, etc.) .
Wikipedia, Dicionário da Lingua Portuguesa Porto Editora

Hermes

Mensageiro dos deuses, responsável por trazer os sonhos aos mortais...
Wikipedia, Encyclopedia Mythica

Hermes

Deus dos pastores, dos oradores, da literatura, da poesia e dos atletas. Deus da perícia dos ladrões e mentirosos...
Wikipedia, Encyclopedia Mythica

segunda-feira, julho 31, 2006

Hermes

Hermes, na mitologia grega filho de Zeus e da ninfa Maia, deus do comércio, das fonteiras e dos viajantes que as cruzam...
Wikipedia,Encyclopedia Mythica