quarta-feira, dezembro 06, 2006

Auto-Regulação e Desenvolvimento

Há alguns meses encontrei-me com um amigo dono de uma empresa de calçado. Falámos acerca da sua recente visita à Índia. O objectivo dessa visita foi profissional pelo que falámos um pouco sobre as condições de trabalho industrial nesse país. Contou-me sobre as deficientes condições das infra-estruturas industriais, sobre os horários de trabalho intensos, sobre as remunerações miseráveis e sobre o trabalho infantil massificado. Nada do que que me contou foi uma absoluta novidade mas o seu relato foi particularmente marcante, provavelmente por ser composto por imagens contadas por uma pessoa que me é próxima e por se basear em memórias ainda frescas da sua viagem.
Esta nossa conversa foi concluída com uma reflexão que julgo importante, disse-me este meu amigo que, provavelmente, algumas pessoas ocidentais ao terem noção das condições em que algumas peças do seu vestuário são fabricadas teriam repulsa em vesti-las ou comprá-las.
Um artigo recente do Internacional Herald Tribune, publicado esta semana no Courrier Internacional, prova-nos que as próprias marcas ocidentais são sensíveis a esta reflexão. Este artigo descreve a rotina diária de um auditor de conformidade social na China que trabalha para grupos americanos e europeus interessados em ter uma imagem fiel das condições de produção dos seus produtos nestes países. As auditorias de conformidade social surgiram nos anos 90, no âmbito de movimentos de protesto ocorridos nos Estados Unidos. Empresas como a Nike e a Wall-Mart começaram a ser pressionadas por grupos representativos dos seus próprios clientes no sentido de melhorarem as condições de trabalho dos seus subcontratados asiáticos.
Após vários escândalos, torna-se claro que as empresas ocidentais não podem permitir-se a este tipo de publicidade. Começa a verificar-se um fenómeno que este artigo designa de paradoxal, as empresas capitalistas ocidentais empenham-se em melhorar as condições laborais na China.

2 comentários:

Anônimo disse...

Há já muita teoria sobre ética empresarial e responsabilidade social que tÊm boas perspectivas sobre isto..
Estas empresas tomam consciência das adversidades que estas situações podem trazer à sua imagem e consequente rentabilidade, agindo por via de algo chamado "enlightned self interest". Por isso desengane-se quem julgue que se trata de pura beneficiância, estão em jogo funções de lucro empresarial.
é curioso que a MCDonalds é hoje das empresas que mais investe no seu "tripe P" - profit, people e planet. É mais uma vez uma questão de imagem, mas cujo resultado final é uma higiene máxima nas suas cozinhas e controles de qualidade (estas empresas não se podem dar ao luxo de haver intoxicações alimentares...)
abr,
Xista

Anônimo disse...

Amigo Hermes:

O período festivo natalício, que tanto aprecio (e respectiva recuperação doçeira...), deixou-me afastado do seu prezado Blog.

No entanto denoto que continua a manter a mesma acutilância no debate dos temas mais problemáticos que cruzam a nossa sociedade. Admiro com particular interesse o seu olhar e a sua preocupação pelos temas globais (possivelmente após tomar consciência que os problemazinhos do nosso 'quintal' são intratáveis).

Em relação ao seu post sobre as condições laborais laborais na China, fico contente por saber que trata por 'tu' um dos empresários que acompanharam o nosso Presidente na sua recente deslocação ao estrangeiro.
No entanto, preocupa-me ao saber que o amigo Hermes não tenha acompanhado o 'falso esforço' das marcas ocidentais para o melhorar das condições laborais nos jardins-de-infãncia indianos e chineses.
Pergunte-se a si mesmo que género de melhorias pode (e quer) uma multinacional implementar junto aos seus recursos humanos apenas de modo a pararem os escândalos ocidentais? Eu consigo ser bastante imaginativo...

De qualquer forma não é para atacar as Marcas Mundiais que intervi neste modesto coment. Mas sim para por o dedo na ferida nas condições laborais dos trabalhadores ocidentais, que sobe um capuz de carreira profissional e risco do desemprego, entregam 60%-70%-80% do seu dia útil ao trabalho laboral.
E o que me chateia realmente não é o tempo disperdiçado em tarefas laborais em prol do verdadeiro disfrutar da vida (família; recreio; cultura; desporto; dormitar; whatever...), mas sim:
- muitas vezes a desequidade com que é remunerado esse esforço (comparado com o resultado final, vulgo lucro, que é obtido pela soma de todos os trabalhadores)
- com o papel cada vez mais 'descartável' que é atribuido por essas Multinacionais e 'Uninacionais' aos seus trabalhadores.
- sem dúvida o mais grave, com o conformar dessa situação por cada trabalhador individualmente.

Nota: antes de olharmos para o outro lado do mundo, melhor será refletir sobre os abusos laborais que nos envolvem na nossa freguesia e que as Multinacionais paradoxalmente, suspeito nunca irão alterar...