sábado, setembro 06, 2008

Bergotte

A escrita de Proust é imensamente bela. A palavra "bela" utilizada desta forma soa a uma banalidade, é certo. Em todo caso, julgo ser o adjectivo adequado para a sua descrição sucinta. Cada frase, cada argumento, usa um estilo que, é em primeiro lugar, belo. Poderão utilizar-se outros adjectivos posteriores, poderá destacar-se a subtileza das suas narrações, a ampla compreensão das personagens ou a expressão intensa das emoções, que são as suas, mas nunca sem começarmos for falar de beleza.

Em "Do lado de Swan", Proust fala da leitura de Bergotte, autor com que se entusiasmara na altura, de uma forma que eu poderia utilizar para descrever a minha experiência de leitura de Proust. Fá-lo-ia de uma forma imensamente menos competente.

"Nos primeiros dias, como uma ária musical que viremos a adorar, mas que ainda não distinguimos, não me apercebi daquilo que havia de amar tanto no seu estilo. Não conseguia largar o romance dele que estava a ler, mas julgava-me interessado unicamente no assunto, como nos primeiros momentos de amor em que vamos todos os dias procurar uma mulher numa reunião, num espectáculo, julgando-nos atraídos pelos prazeres que estes oferecem. Depois notei as expressões raras, quase arcaicas que ele gostava de empregar em certos momentos, quando uma onda oculta de harmonia, um prelúdio interior, agitava o seu estilo; e era também nesses momentos que ele se punha a falar do "sonho vão da vida", da "inesgotável torrente das belas aparências", do "tormento estéril e delicioso de compreender e amar", das "comoventes efígies, que enobrecem para sempre a fachada venerável e encantadora das catedrais", que ele exprimia toda uma filosofia, nova para mim, através de imagens maravilhosas que não pareciam ter despertado aquele canto de harpas que então se erguia, dando ao seu acompanhamento algo sublime. Uma dessas passagens de Bergotte, a terceira ou quarta que isolei do resto, causou-me uma alegria incomparável à que eu sentia com a primeira, uma alegria que julguei sentir numa região mais profunda de mim mesmo, mais uma, mais vasta, de onde os obstáculos e as separações pareciam ter sido retirados. É que, reconhecendo então o mesmo gosto pelas expressões raras, a mesma efusão musical, a mesma filosofia idealista que já das outras vezes, sem que eu me desse conta, tinha sido a causa do meu prazer, deixei de ter impressão de estar em presença de um trecho particular de um certo livro de Bergotte, traçando à superfície do meu pensamento uma figura puramente linear, mas antes do "trecho ideal" de Bergotte, comum a todos os seus livros e ao qual todas as passagens análogas que com ele vinham confundir-se teriam dado uma espécie de espessura, de volume, com que o meu espírito parecia ampliado."

Levantado

Tenho apresentado uma certa predilecção por escritores suicidas. Não os procuro, acontece de os ler e de me agradarem, pelo que repito visitas aos seus escritos.
Séneca viveu nos primeiros anos d.c., tendo-se suicidado em 65. Cartas a Lucílio é a sua obra mais conhecida. Foi concluída já na última fase da sua vida, tornando-a ainda mais interessante. É um tratado de reflexão ética e moral e um normativo teórico comportamental que reflecte o seu pensamento . Na carta 13, Séneca elogia a resiliência de Lucílio:

"Um atleta que nunca foi ferido é incapaz de afrontar o combate de ânimo alto. Só aquele que viu correr o próprio sangue, que sentiu os dentes rangerem sob os golpes, que, lançado por terra, suportou sobre o corpo o peso do adversário sem, embora abatido, nunca deixar abater o ânimo, só aquele que se ergue com mais energia de cada vez que é derrubado pode descer à arena com esperança de vencer."