quarta-feira, junho 24, 2009

Bloch

Bloch é uma curiosa personagem de Proust em Do Lado de Swan. Trata-se de um seu amigo de juventude pelo qual os seus pais tinham pouca admiração. Esta falta de admiração decorria das suas respostas pouco convencionais às conversas de circunstância. Apetece-me muitas vezes citar Bloch, tendo consciência que isso me provocaria inimizades equivalentes às suas.
"... Bloch desagradara aos meus pais por outras razões. Começara por irritar o meu pai que, ao vê-lo molhado, dissera com interesse:
- Mas, senhor Bloch, que tempo é esse? Terá chovido? Não compreendo nada, o barómetro estava excelente.
Só lhe arrancara esta resposta:
- Senhor, não posso dizer-lhe de maneira nenhuma se choveu ou não. Vivo tão resolutamente fora das contingências físicas que os meus sentidos não se dão ao trabalho de as notificar.
- Mas, meu pobre filho, esse teu amigo é um idiota - dissera o meu pai depois de Bloch sair.
(...)
E, finalmente, descontentara toda a gente porque, vindo almoçar com uma hora e meia de atraso e coberto de lama, dissera:
- Nunca me deixo influenciar pelas perturbações da atmosfera nem pelas divisões convencionais do tempo. Reabilitaria de bom grado o uso do cachimbo do ópio e do kriss malaio, mas ignoro o desses instrumentos muitíssimo mais perniciosos e, aliás, desprezivelmente burgueses, o relógio e o guarda-chuva."

sábado, junho 20, 2009

Desprezível

Sobre o romance As Benevolentes de Jonathan Littel, diz Mario Vargas Llosa que não contém um único personagem que não seja absolutamente desprezível. É verdade, mas o livro é muitíssimo bom.
As Benevolentes são uma viagem épica sobre a distorção moral do homem e sua disponibilidade para o mal absoluto. Max Aue, personagem fícticia que escreve as suas memórias, conta-nos a maneira como ascendeu na estrutura SS Nazi. Percorre também os seus tempos na frente de Estalinegrado e descreve a inominável vida nos campos de concentração e extermínio. Fá-lo, por um lado, com uma falta de arrependimento explícito e, por outro lado, com a ilustração dos seus constantes dilemas morais.
Na mitologia grega As Benevolentes, também conhecidas por Erínias ou Eumênides, são deusas perseguidoras, vingadoras e secretas.
É díficil dizer-se o que faz de uma obra intemporal, ou incontornável. É díficil dizer-se que papel terá As Benevolentes na literatura. Depende de Littel e dos seus próximos livros e depende de outras coisas. Para já, As Benevolentes é um romance magnífico.