domingo, outubro 29, 2006

Inconveniente

No filme Uma Verdade Inconveniente, Al Gore inicia a sua apresentação recordando um episódio da sua infância. Este episódio passa-se no seu sexto ano durante uma aula de geografia. Nesta aula, o professor de Gore mostrou aos seus alunos o mapa do mundo. Enquanto o mostrava um dos colegas de Gore levantou o braço e apontou primeiro para a costa este da América do Sul e depois para a costa ocidental de África perguntando se em algum momento estes dois pedaços enormes de terra teriam estado unidos. A sua questão estava relacionada com o recorte semelhante das faixas costeiras destes dois continentes. Como resposta o professor terá dito que era evidente que não, e que essa era a coisa mais ridícula que já alguma vez tinha ouvido. Por esta altura a teoria das placas tectónicas não era universalmente aceite em termos científicos e era desconhecida da maior parte das pessoas. O professor de Gore partiu de um pressuposto que para ele era inquestionável, os continentes são tão grandes que, obviamente, não se deslocam. Pois, na verdade, os continentes deslocam-se e em tempos estiveram unidos.

Al Gore termina esta ilustração com uma frase de Mark Twain:

“It ain’t what you don’t know that gets you into trouble. It’s what you know for sure that just ain’t so.”

Só a inconveniência nos libertará da armadilha apresentada por Mark Twain…

It Is Our Time to Rise Again to Secure Our Future

É desta forma que Al Gore termina o seu livro Uma Verdade Inconveniente.
Com Uma Verdade Inconveniente Al Gore tem dois objectivos e é bem sucedido em ambos. Em primeiro lugar, esforça-se por fazer uma explanação clara, estruturada e convincente acerca da urgência do problema do aquecimento global. E em segundo lugar, apresenta este quadro como reversível, interpelando-nos a agir no sentido desta reversão. Este segundo objectivo é particularmente responsabilizador da geração que actualmente habita o nosso planeta. Gore refere que o empenho ambiental na resolução do problema do aquecimento global definirá moralmente a nossa geração.
Assisti ao filme há algumas semanas, a sala estava cheia e no final fui surpreendido pelos aplausos do público. Questiono-me sobre a leitura que devo dar a estes aplausos. Devo considerá-los um indicador da identificação com o problema apresentado? Serão um indicador da nossa consciência ambiental e do nosso empenhamento na resolução deste problema? O futuro irá responder-nos a estas questões e seremos julgados moralmente por isso...

sexta-feira, outubro 06, 2006

Se Isto É Um Homem

"Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não.
Considerai se isto é uma mulher,
Sem cabelos e sem nome
Sem mais força para recordar
Vazios os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou então que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entreve,
Que os vossos filhos vos virem a cara."

texto inicial do livro "Se Isto É Um Homem" de Primo Levi